Pelos labirintos do Estado Novo
"Leitão de Barros - A biografia roubada", é o título do livro (editado pela Bizâncio) sobre um dos mais notáveis cineastas portugueses do século XX. Fruto de uma pesquisa realizada durante sete anos por Joana Leitão de Barros e Ana Mantero (netas do biografado), esta obra reúne variada documentação guardada em caixas, na posse da família, e que até agora não tinha sido objecto de estudo.
Trata-se de uma história pessoal que coincide também com um momento histórico de Portugal - a instalação administrativa do "Estado Novo" e o florescimento das artes em diversas vertentes.
"José Leitão de Barros, que nasceu em 1896 e morreu em 1967, é conhecido sobretudo pela faceta cinematográfica, pela ligação aos estúdios Tobis, ao modernismo, à transição do cinema mudo para o sonoro, às produções de grande escala, à experiência com a censura, mas foi também jornalista, escritor, pintor e um "propagandista" do Estado Novo".
De acordo com a neta Joana Leitão de Barros (jornalista), esta biografia não pretende "escamotear ou justificar a vida do avô e as relações de proximidade com diversas figuras da política da altura, em particular com António Ferro, director do Secretariado da Propaganda Nacional, e com o ditador António de Oliveira Salazar; (...) Nós quisemos entendê-lo como uma pessoa na época, sem preconceito. Eu vejo-o como um artista que era desajeitado nos corredores do poder. Era inconveniente", afirma a autora.
No livro, profusamente ilustrado com fotografias, recordam-se episódios da relação de Leitão de Barros com o poder, como aquela vez em que o realizador entrevistou Salazar, em 1950, para o "Notícias Ilustrado", a revista que tinha fundado anos antes e ajudou à "criação de um mito, sem pudor e em linguagem modernista".
Apesar de ter feito parte de "um grupo restrito de pessoas que têm acesso directo a Salazar", Leitão de Barros conquistou também "algum direito de ser incómodo e imprevisível" no regime do Estado Novo, lê-se no livro.
Nas mais de 300 páginas da biografia, as duas autoras recordam as desventuras e os projectos do cinema, de "Maria do Mar" (1930) - considerado um dos clássicos do cinema mudo português - a "Camões" (1946), estreado no primeiro festival de Cannes, sem esquecer a recusa em fazer "A revolução de maio" (1937), entregue a António Lopes Ribeiro, e que foi um dos filmes de propaganda da ideologia salazarista.
Não são esquecidos os laços familiares com as famílias Cotinelli Telmo e Roque Gameiro, a organização das Marchas Populares e da Exposição do Mundo Português, o turismo, a ligação ao Brasil e ao modernismo europeu.
A biografia termina com a transcrição de uma carta que Leitão de Barros escreveu dois anos antes de morrer, em 1965, a Cunha Leal, opositor de Salazar, descrevendo-se como um "espadachim de ideias de arte", politicamente infeliz e a criticar o ar "pífio" que se respirava à época, em pleno Estado Novo.