Liberdade, igualdade e fraternidade
Segundo o apregoado lema republicano, apropriar-se da liberdade, igualdade e fraternidade dos outros, sob a forma de poder, alimentos, casa, dignidade, bem comum, não será anular os seus direitos fundamentais de cidadãos. O conceito Todos será a chave para a economia do bem comum e da justiça social, ao mesmo tempo que será o critério da sua avaliação científica, no sentido de Karl Popper. (Cf Wigvan Pereira: https://brasilescola. uol.com.br /filosofia/o-principio-falseabilidade-nocao-ciencia-karl-popper.htm.
18.09.2021). Aplicar o conceito de falseabilidade às teorias políticas ideológicas poderia ajudar a demonstrar que não funcionam para alcançar o bem comum. Os problemas atuais continuam por resolver apesar de se alardearem os progressos da modernidade contra os poderes religioso-cristãos medievais, o liberalismo contra os detentores de poder dominador e absoluto.
Nem os senhores feudais, reis, iluministas do progresso e magnates da indústria e comércio; nem as oligocracias liberalistas, as repúblicas ditas democráticas, de pendor autoritário ou liberal, têm resultado. Os detentores de muito poder, seja de dinheiro, saber, controlo sobre os outros, apropriam-se, intencionalmente ou não, de parcelas de leão do bem comum.
Com efeito, apesar de tantas ideologias apregoadas, a liberdade, a igualdade, a fraternidade, o bem comum de “irmãos, todos”, há séculos, continuam a sucumbir aos absolutismos, e totalitarismos; à ciência não científica e ao progresso liberal capitalista destruidor do bem comum da natureza e da liberdade alheia. Não faltam propostas políticas, económicas, industriais, que vão surgindo como pequenas luzes ao fundo do túnel dos fracassos repetidos, mas, infelizmente, já vêm tocadas do bicho da corrupção e recusa do bem de “todos”, bem comum.
Oferecem muita coisa aceitável, mas só para alguns, oferecem muito luxo para poucos; produzem muitos artigos de consumo inúteis e danosos, chineses e quejandas. Destinam-se não ao bem comum, mas a engrossar o capital de muitos donos disto tudo e a deixar muitos milhões sem alimentos, casa, escola e cuidados de saúde que nunca os receberam das sociedades ditas avançadas.
Falam muito de direitos dos cidadãos, usam longos discursos sobre tudo, mas sem concretizar para todos o que prometem, época após época. Os discursos sucedem-se de ano para ano, mas os muitos milhões que continuam sem resposta a esses quatro direitos fundamentais precisariam de ser avaliados de ano para ano de forma científica e não apenas com palavras envernizadas para 30 % dos cidadãos.
Alimentação, casa, escola e cuidados de saúde são quatro direitos de todos os cidadãos ou uma obrigação deles? Onde começa o bem comum para todos e os bens supérfluos apenas para alguns? E para que serve um Estado de direito organizado e participado por todos? Uma democracia de todos ainda o será quando 30 ou 40% se apropriam da liberdade, igualdade e fraternidade e roubam os direitos de cidadania aos outros aos seus irmãos?
A democracia do bem comum já percorreu longos caminhos. Da Idade Média, dizem alguns que a religião e a fé cristã pretendiam ser solução e dominavam demais, como que roubando o poder e a igualdade aos outros. Veio a modernidade que abriu a porta a outros poderes absolutos, a reis e imperadores, e esperava-se que o bem comum ia chegar aos pobres. Mas faltava a igualdade e a relação entre todos como irmãos.
O iluminismo, à margem da fé em Deus, decretou que o rei endeusado devia ser morto para dar lugar ao homem e à fraternidade. Em vez de ficar mais defendida esta deixou de fazer sentido por falta de um Pai criador que dignifica todos os seus filhos. Muitos «ficaram calados, porque discutiam uns com os outros sobre qual deles era o maior» (Mc 9,34) no poder. Seria de esperar que depois de séculos a democracia insistisse no conceito de cidadania de todos e nas relações uns com os outros para o bem comum (de todos). De contrário abundam palavras de objetividade frouxa e perpetua-se a sociedade oligárquica negadora da democracia atrás de chavões vazios adornados de fake news, de inverdades.
Aires Gameiro, Setembro de 2021