Em cada tempo, há todo o interesse em aprender com os mestres, regressar ao passado, voltar às lições intemporais, seguir o pensamento de escritores, para que se possa compreender o estado do mundo e da humanidade, em diversos campos.
Nada do que hoje se vive, em termos das raízes e da evolução da História, é novo, só as aparências e as vontades é que mudam, como lembrava Camões ou como se pode testemunhar pelo livro “A Mente Aprisionada”, do poeta e escritor polaco Czeslaw Milosz, Prémio Nobel da Literatura em 1980.
Trata-se de uma obra ímpar, fundamental, no estudo do "totalitarismo", escrita durante o exílio do autor e publicada há 65 anos. “Este livro foi escrito entre 1951 e 1952, em Paris, quando a maioria dos intelectuais franceses não via com bons olhos a dependência do seu país em relação à ajuda americana, e depositava as suas esperanças no novo mundo a Leste, governando por um líder de uma sabedoria e de uma virtude incomparáveis: Estaline”.
Assim começa Czeslaw Milosz (1911-2004) o livro, numa nota do autor aditada em 1981, em que afirma que aqueles que se atreviam a mencionar uma rede de campos de trabalhos forçados como alicerce de um suposto sistema socialista eram atacados e ostracizados pelos seus pares.
“Talvez na minha parte da Europa, várias das minhas análises surjam como óbvias, mas o poder de atracção do pensamento totalitário seja ele de esquerda ou de direita, não é coisa do passado; pelo contrário, parece estar a aumentar”, considera o autor.
O tema em discussão na obra é a vulnerabilidade da mente do século XX, perante as doutrinas sociopolíticas e a sua predisposição para aceitar “o terror do totalitarismo em nome de um futuro hipotético”, explica.
O livro transcende limitações de tempo e de lugar, quando explora as causas profundas do anseio por uma certeza qualquer, por mais ilusória que seja.
“A Mente Aprisionada” apresenta-se como uma “viagem” pelo mundo habitado pelos intelectuais de Varsóvia, de Praga, de Bucareste e de Budapeste, que lhe é familiar, mas que ao leitor poderá parecer “estranho”, no qual tenta explicar “como funciona a mente numa democracia popular”.
E se o conseguiu, foi porque “o sistema inventado por Moscovo” lhe parecia “estranho”: “Toda a civilização, se olhada de uma perspectiva simples e ingénua, apresentará uma série de características bizarras, mas que todos aceitam como perfeitamente naturais porque lhes são familiares”.
Ao mesmo tempo, Milosz utilizou o seu livro como “um campo de batalha”, no qual deu forma ao seu combate contra a doutrina que rejeitou, utilizando um método particular: o de dar armas ao inimigo, seguir a sua argumentação e, em alguns casos, copiar-lhe o raciocínio. “Por outras palavras, procuro recriar as etapas ao longo das quais a mente vai cedendo a uma compulsão exterior e refazer o caminho que, nas democracias populares, conduz os homens à ortodoxia”, explica o autor.
“A Mente Aprisionada” é um livro escrito com um "estilo narrativo incisivo e sardónico, erudito e eloquente, que conjuga reflexão filosófica e política, com descrição biográfica quase ficcional".
Em resumo, uma lição intemporal que se recomenda para a compreensão do mundo nos nossos dias.