A vida humana não tem preço
A verdade é que a vida humana não tem mesmo um preço… É o pressuposto de todos os bens terrenos (não o de todos os bens ultra-terrenos, certamente). A sua perda é, mais do que a de qualquer outro desses bens, irremediável. É certo que a crise económica que atravessamos pode provocar a fome para muitas pessoas e a tal ninguém poderá ser indiferente. Mas não podemos aceitar isso como uma fatalidade. Há formas de o evitar. Um esforço acrescido de solidariedade (muito superior ao que estamos habituados e até ao que era exigido noutras crises) pode evitar a fome, sendo que não há forma de remediar perdas de vidas humanas.
Dir-se-á que o risco de contrair doenças e perdas de vidas humanas há de estar sempre presente na vida social e pretender eliminá-lo levaria a uma impraticável quarentena permanente. Nunca se exerceriam atividades laborais perigosas (como a construção civil), ou se utilizariam automóveis, comboios ou aviões, se quiséssemos eliminar tal risco. Mas, a este respeito, estão já definidas regras de prevenção (de segurança no trabalho ou de segurança rodoviária) que, se forem observadas, tornam tal risco ética e socialmente aceitável. Como não dispomos ainda de conhecimentos que nos permitam fixar com precisão regras análogas relativas ao coronavírus, há que seguir um princípio de precaução («mais vale prevenir do que remediar») até que essa fixação seja possível.
Outra questão que o combate a esta pandemia tem colocado em maior evidência é o de que o valor da vida humana não se vai perdendo com o avançar da idade. Esse valor também não pode ser calculado em função da maior ou menor expectativa de anos de vida futura. Não é por as principais vítimas a salvar serem pessoas de idade avançada ou já não “produtivas” que deixam de se justificar todos os sacrifícios por que passámos e por que ainda passaremos. E também não é por isso que são menos lamentáveis as mortes (em lares, designadamente) que não foi possível evitar ou não foram evitadas.
Casos de recusa de cuidados de saúde necessários a pessoas idosas pelo facto de o serem, e que se verificaram em vários países, foram justamente condenados («uma bancarrota moral»- foi assim que os qualificou há dias o director-geral da O.M.S.). Estamos hoje mais sensíveis à discriminação das pessoas em razão da sua idade: discriminação a que se vem designando “idadismo” e que se coloca a par do racismo e do sexismo.
Contraditória com essa redescoberta do princípio de que a vida humana nunca perde dignidade e não tem menor valor na sua fase terminal ou quando é marcada pela doença, é a legalização da eutanásia (que decorre do princípio contrário, ou seja, de que há situações em que a vida humana deixa de merecer proteção e, por isso, pode ser suprimida com o aval da ordem jurídica). Legalização que o Parlamento português (como o de Espanha e o de França) se prepara para aprovar.
> Pedro Vaz Patto, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz