A liberdade precisa de se libertar
Muitos alertas têm sido feitos nos últimos tempos através da governação e da política partidária em geral, por causa dos "populismos" e "extremismos" que ameaçam a velha "democracia" e a "liberdade" conquistadas a muito custo. Em vez da "democracia", argumenta-se, teríamos a "anarquia", ou seja, em vez do governo da maioria, com leis e estabelecimento da ordem civil em que o povo é chamado a pronunciar-se, não haveria estado, leis ou governantes.
Só que, em nome de um e/ou outro sistema, a escolha é condicionada pela liberdade, pessoal ou cívica, muitas vezes manipulada e orientada pelos fins sem olhar a meios. Mas, "o que é a liberdade política?", perguntou de forma exemplar o historiador e filósofo Isaiah Berlin (1909–97).
"No mundo antigo", escreve no seu livro "O Poder das Ideias", e sobretudo entre os gregos, "ser livre significava poder-se participar no governo da cidade. Ser-se livre queria dizer não se ser obrigado a obedecer a leis feitas por outros para mim, mas não por mim".
Acontece, que muitos séculos se passaram desde a Grécia antiga, muita civilização se construiu entre sistemas de "prós e contras", e hoje há "liberdades para todos os gostos", justificadas consoante o sistema político em vigor.
É curioso, por exemplo, que nos nossos dias se aceite e classifique com a maior das naturalidades o sistema de "democracia ditatorial" na China; ou que as chamadas "superpotências" possam invadir o Iraque em nome da "libertação" popular da "tirania", entre outros argumentos.
"Pode acontecer que a liberdade tenha de ser limitada em vista de outras coisas boas - como a segurança, a paz, a saúde", advogam os protagonistas da organização político-pública; "ou que se tenha de libertar hoje a liberdade para se ter uma liberdade mais ampla amanhã; mas limitar a liberdade não é dar a liberdade, e a coerção, por mais validamente justificada que possa ser, é coerção e não liberdade", garante Isaiah Berlin.
Neste contexto, não há muito que aprender e as lições já foram todas dadas; basta que o cidadão esteja apenas atento às narrativas quotidianas dos governantes e políticos, aos encontros, reuniões e acordos oficiais, para perceber que há muitas possibilidades e combinações para se viver entre a "democracia" e a "anarquia", com "liberdade", ou sem respeito pelos "direitos cívicos".
Por isso é que a data do 1.º de Maio como "Dia do Trabalhador" continua a ter razão, com ou sem festejos, manipulada ou não pelas ideologias do momento, refém ou não de interesses partidários ou científicos, ainda que com poucos fiéis.
A "liberdade" precisa de se "libertar" de todos os obstáculos (conceptuais, super-poderes, receios e medos) que encontra em cada geração, até ao fim dos tempos. Porque, aconteça o que acontecer, como escreveu também Bertolt Brecht (1898-1956):
"As coisas não continuarão a ser como são. / Depois de falarem os dominantes./ Falarão os dominados."